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O sujeito na contemporaneidade, de Joel Birman lido em conjunto com Bartleby, o escrivão e Sociedade do cansaço

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Assumido como ponto de partida que o psiquismo humano está exposto a  estímulos exteriores e precisa lidar com eles de algum modo, sob pena de prejuízo ao seu regular  funcionamento, dentro da tradição psicanalítica é possível identificar como “trauma" aquele  estímulo externo que se abate sobre o indivíduo com uma força tal que o aparelho psíquico não é  capaz de elaborar a experiência em palavras e símbolos, de modo que o excesso assim constituído  pelo estímulo passa a ser de difícil vazão, encontrando no corpo e na hiperatividade lugares  privilegiados de descarga não verbal. Há, portanto, uma estreita relação entre linguagem e trauma;  na contemporaneidade, o trauma ganha uma disseminação inaudita na medida em que a linguagem  está em crise e as experiências são cada vez menos elaboradas em termos simbólicos. Muito embora  os problemas psíquicos correntes na passagem do século XIX para o século XX não apresentassem  exatamente a configuração atual, é certo que já ali se insin

O Aleph, de Jorge Luis Borges - Emma Zunz, A Casa de Astérion e A Outra Morte

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Emma Zunz Emma Zunz começa com o recebimento pela protagonista homônima de uma carta na qual é dito expressamente que "o senhor Maier [seu pai, que morava no Brasil] ingerira por engano uma forte dose de Veronal e falecera". Segue-se a descrição do mal-estar sentido por Emma e logo no início do terceiro parágrafo já é dada a informação de que se tratava de um suicídio: o caminho percorrido pela personagem entre a afirmação de uma morte acidental e a convicção íntima do suicídio não é explicitado. O suicídio, por sua vez, une-se no interior de Emma à confissão que o pai lhe fizera de que Loewenthal, com quem trabalhava, era o ladrão, derivando dessa circunstância e do erro no reconhecimento do verdadeiro culpado a também relembrada série de infortúnios que acometeram o pai e o afastaram para longe. Loewenthal ainda mantém contato com Emma por ser um dos donos da fábrica onde trabalha. No quarto parágrafo, Emma vive a sexta-feira como de costume, trabalhando na fábrica e conve

Jorge Luis Borges, um escritor na periferia, de Beatriz Sarlo

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Ao ser convidada para ministrar uma série de conferências sobre Jorge Luis Borges na Universidade de Cambridge, nos anos 1990, a intelectual argentina Beatriz Sarlo se viu sob a contingência de ser uma compatriota do escritor num espaço que era alheio a ambos, mas no qual este era lido em função de sua universalidade evidente, em vez de algum elemento tipicamente nacional que pudesse apresentar. Sem negar que a obra de Borges de fato se presta a esse tipo de leitura, Sarlo propôs uma investigação de suas relações com o pano de fundo local a fim de demonstrar que há ali uma real influência das questões nacionais e que são elas determinantes para as formulações estéticas que depois contribuirão para caracterizar a própria universalidade: a diferença em relação a outros escritores - e o motivo do tom nacional não ser de imediato reconhecido - vem de que em Borges não há propriamente a representação de elementos nacionais para discutir a nacionalidade, mas antes a formulação de uma pergunt

Édipo Rei, de Sófocles comentado por Bernard Knox em Édipo em Tebas

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Édipo Rei, de Sófocles, é uma peça que parte do mito grego e avança pela cultura ocidental marcada por dois grandes leitores: Aristóteles, que em sua Poética indica a obra como exemplar dentro do contexto mais geral de considerações estéticas que formula; e Freud, que no século XX desenvolve um conceito fundamental para a então nascente Psicanálise justamente baseado na personagem homônima. A força desses três centros de irradiação - mito, Filosofia, Psicanálise - involuntariamente acaba tornando mais difícil o trabalho do intérprete que pretende percorrer outros caminhos de leitura; nesse sentido, a obra de Bernard Knox - Édipo em Tebas - surge como um marco importante. O que o estudioso faz é investigar a linguagem empregada por Sófocles em comparação com os usos que se fazia do grego de então em outros domínios da vida, tais como o Direito, a Medicina, a Matemática e a Filosofia, tudo de modo a demonstrar que o dramaturgo não se limitou a trabalhar o material mítico artisticamente,

Oréstia, de Ésquilo - Agamêmnon, Coéforas e Eumênides

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A Oréstia , ciclo de tragédias escritas por Ésquilo que tem início com Agamêmnon , passa por Coéforas e termina com as Eumênides ocupa em razão do seu enredo uma posição central dentro da literatura e do mito gregos, na medida em que a Dinastia dos Atreus, cuja história conta, está implicada entre os motivos próximos da Guerra de Tróia, o que significa que desempenha protagonismo na Ilíada, de Homero, além de se desdobrar em outras peças nas quais são personagens destacadas Ifigênia, Electra e Orestes; também fornece o relato da consolidação dos deuses olímpicos diante dos homens e dos deuses antigos, feito cuja representação máxima é a transformação das Fúrias nas Benevolentes cultuadas aos pés da areópago. Agamêmnon tem início com uma cena emocionante: uma sentinela fora colocada em vigília para recepcionar um sinal que indicasse o fim da Guerra de Tróia. O local é Argos, cidade cujo rei, Agamêmnon, saiu há vários anos liderando os gregos numa expedição de guerra destinada a vinga

O Aleph, de Jorge Luis Borges - análise de O Imortal e O Morto

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Os dois contos que abrem o livro O Aleph , de Jorge Luis Borges, a partir dos títulos estabelecem entre si um paralelismo ou relação de complementaridade, que vai além e se desdobra no que é contado e naquilo que cada um encerra da personalidade do escritor. Em O Imortal e O Morto estão reunidos os principais vetores da literatura borgeana: de um lado, a realidade que é feita e lida a partir dos livros, a erudição amplíssima e os questionamentos de cunho metafísico; de outro, o passado heróico da Argentina, a vida de aventuras que se expande dos arrabaldes de Buenos Aires em direção aos pampas, os atos de bravura dos " gauchos" , duelos e emboscadas; um e outro heranças de família, cujos integrantes, ora intelectuais ora indômitos conquistadores, colonizaram o país e se bateram nas lutas da fundação. A integração entre ambos os polos ocupou Borges no curso de sua obra, de modo que a sequência dos contos não é casual, mas antes uma metonímia do que virá. O Imortal O Imortal

Anti-Nelson Rodrigues, de Nelson Rodrigues

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A história de sedução contada em Anti-Nelson Rodrigues se diferencia da dinâmica usual do teatro do seu criador por apresentar uma protagonista íntegra, bravamente resistente na defesa dos seus valores contra as tentativas que fazem para desencaminhá-la. Ao contrário do que parece, porém, a obra não constitui um ponto de dissonância dentro do conjunto que integra; antes evidencia de forma original o que para Nelson Rodrigues é o amor capaz de resistir às tentações que tentam destruí-lo, no que ecoa episódios de peças anteriores. O enredo de Anti-Nelson Rodrigues é simples: de um lado, a família rica e disfuncional de Oswaldinho, playboy petulante e mau-caráter que deseja a morte do pai Gastão de olho na herança, enquanto rouba as joias da mãe para saldar as dívidas que não podem esperar; de outro lado, a família de classe média de Joice, jovem Testemunha de Jeová que deseja um amor para a vida toda e para ele se guarda, vivendo nesse meio tempo com o pai, Salim Simão, viúvo divertido q