Postagens

Mostrando postagens de dezembro, 2019

Metrópole à Beira-Mar - o Rio moderno dos anos 20, de Ruy Castro

Imagem
De fato, não vale a pena fiar-se na primeira impressão. Há alguns anos, a editora Penguin-Companhia lançou uma excelente edição de Frankenstein, de Mary Shelley; como costuma acontecer com as melhores produções da Penguin, Frankenstein contava não só com uma excelente tradução, mas também com um farto aparato crítico. À época, fiquei muito impressionado com a profundidade e riqueza da narrativa criada por Shelley quando ainda era bem jovem; os textos de apoio só ajudaram a enfatizar minhas impressões, estendendo as implicações filosóficas e existenciais da trajetória de Frankenstein; tudo ia em ótimo passo até que me deparei com um texto escrito por Ruy Castro a respeito da obra: seu tom pedestre, de revista de fofoca, com o qual elencava anedotas a propósito de Shelley e sua obra, contrastava fortemente com a elevação da leitura e dos demais textos críticos; fiquei decepcionado, considerando aquela performance do escritor brasileiro uma verdadeira mancha na que, não fosse isso,

Submissão, de Michel Houellebecq

Imagem
Submissão, de Michel Houellebecq, foi publicado no Brasil em 2015. Ao longo desses quase cinco anos, foram muitas e confiáveis as referências positivas à obra, numa quantidade tal que qualquer pessoa minimamente suscetível já teria de pronto lido o livro, sem maiores rodeios; um amigo em especial, com o qual estou sempre debatendo os assuntos literários, fazia referências constantes e entusiásticas ao autor, um de seus favoritos; some-se ao burburinho os temas da islamização da Europa e do multiculturalismo, que sempre estiverem em meu radar, e de fato não havia motivos para não ler Submissão. Mas eu não o li. Não o li até setembro deste ano, quando, de supetão, decidi fazê-lo. Acontece comigo de ficar como um burro empacado na leitura de determinados livros; não há explicação plausível, não se trata de uma ojeriza genérica a títulos muito falados e com “hype”, mas de simples empacamento de burro, sem argumentos a tentar convencer de sua posição como só um empacamento de burro po

O Reino, de Emmanuel Carrère

Imagem
Tão logo alguém começa a estudar literatura mais a fundo, envolver-se mais de perto com as ciências humanas e os próprios fatos históricos, percebe com surpresa que a religião - e também os mitos - é uma constante das grandes produções da cultura, seja como objeto imediato, seja como interlocutora com a qual se dialoga, inclusive para discordar com veemência. A surpresa contemporânea é facilmente explicável pela laicidade do corpo social, que se manifesta não só como separação entre Religião e Estado, mas também como desencanto com a transcendência e ausência de cultura religiosa. Todavia, essa laicidade não explica como grandes obras de arte e do pensamento continuam a ser produzidas: afinal, todas elas não nascem de alguma forma do espanto com o mundo, da formulação de perguntas essenciais que guardam relação próxima com o transcendente? Se o desencanto é total, do que se têm nutrido aqueles que estão por trás dessas grandes obras? Por acaso houve alguma revolução no modo de pro

O Selvagem da Ópera, de Rubem Fonseca

Imagem
Desde o final de 2017, quando compromissos profissionais e estudos acadêmicos passaram a tomar mais do meu tempo, vinha enfrentando dificuldades para ler tanto quanto lia antigamente. No ano passado, por exemplo, li apenas vinte e seis livros, dezesseis a menos em comparação a 2017, ano em que li quarenta e dois títulos. Apesar da consciência de que quantidade não é tudo, sentia-me frustrado porque meus projetos de formação humanística e conhecimento dos clássicos pareciam cada vez mais distantes de um progresso substancial; afinal, o cânone, visto pela escala de uma vida humana, é quase infinito, e uma hora ou outra, por mais que a qualidade da leitura seja boa, o peso da quantidade se impõe sobre projetos como os meus. Observando meu dia a dia e procurando encontrar nele brechas que me permitissem ser um leitor mais eficaz, percebi que, muito embora meus compromissos de natureza diversa tivessem de fato aumentado, ainda sim me sobrava bastante tempo livre, horas valiosas a