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Mostrando postagens de janeiro, 2021

Ópera dos Mortos, de Autran Dourado

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Numa pequena cidade do interior mineiro, o casarão se ergue soturno e enigmático; é símbolo do que poderia ter sido e não foi, o extravagante gesto ancestral que, não obstante, restou detido no tempo sem se completar. Conquanto incompleta, a grandeza esboçada parece bastar para entreter a conversa miúda de toda gente, articular-lhe os sentidos e afetos rumo a uma possível unidade superior; mas por algum tempo apenas. Em Ópera dos Mortos, Autran Dourado nos apresenta as impressões deixadas na pequena cidade pela família Honório Cota, vocacionada pelas circunstâncias à proeminência local, e no entanto malograda nessa missão em virtude do desregramento dos representantes de três gerações, cada um a seu modo incapaz de corresponder aos anseios do entorno, e de ombrear a imponência e respeito inspirados pelos muros do casarão onde habitam. Lucas Procópio, patriarca da família, impôs-se à força no lugar, ao mesmo tempo inaugurando a história local e esgarçando os nervos dos concidadãos media

A Morte e o Meteoro, de Joca Reiners Terron

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imagem da capa da 1ª edição da obra pela Todavia A Morte e o Meteoro é uma distopia discreta. O gênero se caracteriza pela concepção de uma sociedade futura na qual, ao contrário da utopia, as linhas gerais de funcionamento e organização sociais não são positivas e desejáveis, antes extrapolam tendências deletérias do presente, levando-as a consequências extremas; nesse sentido, a distopia serve como espaço propício ao exame do presente, daquilo que nele se encontra em germe, ameaçando crescer e desabrochar em flores tóxicas. No mais das vezes, porém, a linha causal que se estende do presente ao futuro distópico e permite a identificação dos problemas atuais acaba por ficar obscurecida, já que elementos circundantes e díspares se avolumam a ponto de só permitirem enxergar o futuro enquanto tal, e nada mais. A Morte e o Meteoro é uma distopia discreta porque a extrapolação das tendências deletérias do presente se dá de maneira tão sutil, que o leitor desatento pode deixar passar desperc

O Primo Basílio, de Eça de Queirós

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Para se desdobrar, a complexidade do drama humano independe do nível geral de refinamento da sociedade em que se encontra inserto; porém, apenas a penetração da inteligência do indivíduo intrépido é capaz de a flagrar na fugacidade da sua ocorrência e cristalizá-la em arte, impedindo que se perca no tumulto indistinto dos dias, e assim aprofunde a baixeza da autoconsciência coletiva. N’O Primo Basílio, Eça de Queirós ergue sua lanterna e perscruta a Lisboa burguesa do século XIX, a fim de revelar-lhe os traços peculiares e contradições, ambicionando com esse movimento trazer luzes à sociedade que reputava cada vez mais periférica e esquecível.  No oitocentos luso, a marginalidade geográfica de Portugal parece se transformar em marginalidade também política e cultural, numa Europa em que a industrialização avança e a cultura se distancia das ideias de antanho, ao passo que o país ibérico guarda muito do campo e dos pensamentos alhures superados, resignando-se à nostalgia impotente da gl