A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe



Após concluir a leitura d’A Cabana do Pai Tomás, o leitor não pode senão parar por um instante e admirar a ousadia de Harriet Beecher Stowe, mulher convencional sob muitos aspectos, nascida nos EUA de meados do século XIX, que, não obstante o ambiente à sua volta, permitiu-se espantar e condoer-se pelo problema da escravidão, e dar voz literária a esses sentimentos, inserindo-se assim no debate público num momento crucial, sem meias palavras, indo fundo na questão e inclusive pondo em perspectiva a própria posição de seus colegas do Norte, os quais, muito embora se engajassem na luta abolicionista mediante palavras e atos, nutriam profundo preconceito contra os negros, a ponto de sentir nojo de os tocar. Tanto a obra em seus pormenores quanto o que ela tem de audaciosa são testemunhos de que os problemas sociais mais arraigados exigem clarividência, atitude positiva e senso de urgência em sua solução, não se podendo confiar em sua natural e gradativa transformação; são também testemunhos de que as  pessoas que são tidas pela alta roda como respeitáveis e equilibradas são geralmente aquelas cujos sentimentos e percepções estão mais embotados para o que é óbvio.

O vasto painel da sociedade escravista estadunidense que Stowe pinta é aberto por uma cena emblemática, detonadora da crise que pauta a narrativa: um “bom” senhor do Kentucky - estado escravagista porém tido como mais ponderado do que os estados do Sul -, vê-se na difícil situação de ter que vender o seu escravo mais fiel, Tomás, além do filho da escrava mais querida de sua esposa, Eliza, separando assim marido e mulher, mãe e filho. O “bom” senhor caíra em ruína, de modo que seu credor, um traficante de escravos, agora detinha o poder de lhe exigir o pagamento das dívidas mediante a entrega daquelas valiosas “mercadorias”. Apesar do senhor do Kentucky lamentar e insistir em dizer que era uma vítima das circunstâncias, que jamais faria algo semelhante se não fossem elas, o fato é que o destino daqueles dois escravos fora selado irremediavelmente, de pouco valendo a lealdade de um ou as vantagens conferidas à mãe do outro.

A cena coloca imediatamente em evidência o fato incontornável de que, naquela sociedade, o escravo é uma propriedade, com estatuto semelhante ao das sacas de milho e cavalos de corrida, não importando quão bom seja seu senhor, pois diante da primeira vulnerabilidade ou vicissitude da vida deste, aquele estatuto falará mais alto, e sua sorte será objeto de um inventário ou do mero resgate de um título de crédito. Vale dizer que, na prática, quando a vida passa por algum infortúnio, escravo é escravo, não importando se bom ou mau o senhor, inexistindo mitigações, atenuações ou aperfeiçoamentos possíveis nesse sistema: sua justiça está em sua abolição.

A entrega dos dois escravos pelo “bom” senhor do Kentucky levará a reações distintas por parte dos prejudicados: Tomás se conforma às explicações e vontade do seu senhor, permitindo-se ser entregue ao traficante sem maiores protestos, ao mesmo tempo que confia nas palavras de sua senhora, segundo as quais acumulará quantia suficiente para resgatá-lo tão logo seja possível; já Eliza, mãe do garoto vendido e escrava de confiança da mesma senhora, não suporta perder para sempre o filho, pelo que toma a única atitude possível frente a essas circunstâncias - fugir com ele.

A partir daí, a narrativa se desenvolve em dois planos principais: o da fuga de Eliza em busca de refúgio seguro no Canadá, e o da trajetória de Tomás, que, como todos preveem, acabará sendo vendido para um dos temíveis estados do Sul, onde a condição dos negros é notadamente pior. Com isso, Stowe consegue dar amplitude ao painel que pinta, na medida em que a fuga de Eliza lhe oferece oportunidade de apresentar diferentes posicionamentos frente à escravidão, desde os abolicionistas que se dispõem a ajudar escravos arriscando a própria pele, passando pelos que se beneficiam do mercado da captura, degradando-se nessa prática de várias maneiras, até chegar aos que ocupam altas posições, como a de legislador, debruçando-se sobre a questão da escravidão em abstrato, sem conhecer-lhe, no entanto, a fealdade real. Do lado de Tomás, cuja história dispõe de mais espaço no livro, a expansão do painel se dá pelo contraste entre o comportamento dos senhores do Norte e do Sul, e, dentro do próprio Sul, entre os poucos “bons” senhores e a maioria má ou indiferente; cada tipo de senhor exercerá forte influência sobre a constituição dos seus escravos, de modo que o tirânico fará minguar toda a esperança dos subordinados, embrutecendo-os ao ponto de se tornarem feitores cruéis, que se comprazem com a dor dos seus semelhantes, enquanto que os “bons” permitirão uma acomodação, que os escravos convivam entre si e com seus proprietários com relativa liberdade, porém, mais do que isso, sem muita energia para a rebelião e insurgência contra os interesses dos que os titularizam.

Entre o Norte e o Sul, entre o “bom” e o mau senhor, encontra-se o espaço horrendo representativo das encruzilhadas do destino que põem em evidência a crueldade e fragilidade do ser escravizado: as praças de leilão, onde negros cujos senhores faliram ou morreram são colocados à venda pelo maior lance. Ali, o fato de o senhor ter sido “bom” não vale nada, não se respeitam relações de parentesco e matrimônio, nada se quer saber sobre o que o escravo pensa ou deseja. Naqueles lugares, o tão temido Sul se torna a próxima e eterna parada da história de uma vida, e famílias têm o destino selado em segundos, desfazendo-se para sempre. Em nenhum outro lugar o escravo é tão evidentemente um objeto inanimado.

Ao conformismo de Tomás, Stowe contrapõe e incentiva a fuga de Eliza, ato de emancipação dolorido que tem o negro por protagonista. Ao fazê-lo, a escritora demonstra sua grande ousadia, pois se coloca explicitamente contra uma legislação que fora aprovada recentemente e inclusive motivara a redação do livro, de acordo com a qual seria punido todo branco que ajudasse de algum modo na fuga dos negros, mesmo que pela simples oferta de alimentos ou pouso. Por força desse diploma, todo o povo se tornava diretamente cúmplice da manutenção do sistema escravista, obrigando-se, ainda que abolicionista, a colaborar, e assim violar os preceitos cristãos que geralmente inspiravam aquele movimento. A autora ataca o sistema escravista em seus fundamentos, na medida em que admitir o ato de fuga como legítimo, posto que contrário à legislação posta, implica admitir que existe uma ordem superior à simples vontade contingencial dos homens, valores mais elevados, suficientes para inspirar e legitimar ações contrárias a um sistema então revelado em sua injustiça intrínseca. Afora isso, a força contida na imagem da fuga constitui todo um manifesto em favor da urgência da abolição da escravatura, contrário, portanto, às muitas tentativas que se fazia à época de eliminar o sistema de forma cautelosa e lenta, as quais mal disfarçavam a intenção subjacente de deixar tudo como estava sob a aparência de que tudo mudava.

Tomás, protagonista que dá nome ao livro, desempenha um papel diferente na história, não tanto como representação de uma forma de contestação ao sistema, porém mais como régua moral que servirá para medir e desnudar todos os que estão ao redor. Para entendê-lo, no entanto, é preciso primeiro recuar e compreender o ambiente em que Stowe trava o seu debate. A Cabana do Pai Tomás é um livro de uma cristã estadunidense escrito tendo em vista, precipuamente, outros cristãos estadunidenses. É a partir das premissas comuns que a fé cristã estabelece que a escritora formula seus argumentos, procurando pôr em evidência a radicalidade da mensagem de libertação e igualdade dos Evangelhos, ao mesmo tempo que revela as falácias e hipocrisia daqueles que tentam se valer da Bíblia para justificar o sistema, ou que procuram atenuar o que há de essencial no Cristianismo a pretexto de manter o estado de coisas tal como ele se encontra. Os valores que permitem a Stowe se insurgir contra uma lei aprovada pelo parlamento, mas injusta, são os valores revelados do Cristianismo, que considera de estatura mais elevada, e a igualdade que exige para os negros é a igualdade fundada no fato de que todos são filhos de Deus. Para Stowe, a escravidão não é só uma tremenda injustiça que macula o território dos EUA: é também um pecado terrível pelo qual deverão prestar contas no Juízo Final. Nessa linha de pensamento, as tentativas de conservar a escravidão ou retardar sua abolição nada mais seriam do que o velho atavismo do pecador pela continuidade de sua vida pecaminosa, e a solução para o problema, a radicalidade evangélica: tal como a conversão para uma vida de santidade, de que são exemplos os apóstolos que largaram tudo o que tinham para seguir a Cristo, o fim da escravidão deve ser imediato, irreversível e sem rodeios, pois não é possível negociar com o pecado. Stowe não admite os mornos, antes acredita numa fé que se atualiza na conjuntura de cada época pautada pela radicalidade e inconformismo do seu exemplo original.

Numa sociedade cristã em que a escravidão precisava ser justificada, a forma mais comum de fazê-lo era pondo em dúvida a humanidade dos negros. A Cabana do Pai Tomás, em suas quase setecentas páginas, fornece inúmeros exemplos de situações em que os brancos relativizam o fato de os negros serem humanos, de terem os mesmos sentimentos que os brancos, a mesma inteligência, a mesma vulnerabilidade. Por ser incontestável que não eram simples objetos inanimados, a tendência era sempre tratar o negro como um animal de criação, um cavalo pelo qual até poderia haver alguma afeição, mas nada tão sério que impedisse que fosse chicoteado quando o galope estivesse lento e o senhor precisasse chegar mais depressa ao destino. Nesse contexto narrativo, Tomás não só constitui a prova de que o negro é tão humano quanto o branco, como também a de que pode dispor de sentimentos e moral muito mais refinados e inclusive superiores à média circundante. Tomás é santo e mártir, sinal de contradição e interrogação pública como só os santos e mártires conseguem ser. Santo porque é mais cristão do que todos os cristãos brancos com quem convive, incapazes de prejudicarem seus interesses pessoais a fim de cumprir os preceitos evangélicos de dar a outra face à tapa e confiar em Deus, sobretudo na adversidade. Mártir porque o sistema escravista é tão torpe que chega um momento em que não é mais possível fingir sentimentos cristãos, pondo-se então à mostra toda a crueldade dos senhores: Tomás é posto à prova e flagelado até às últimas consequências por causa de sua fé.

Apesar de Tomás não oferecer uma alternativa de libertação concreta da escravidão, não se pode afirmar que Stowe faça a apologia do conformismo em seu livro. Dentro da gama imensa de possibilidades que a vida do negro pode assumir, escolhe a santidade e o martírio para seu protagonista, a fim de assim colocá-lo ombro a ombro com os personagens brancos mais celebrados da sociedade que pretende contestar. Não descuida, porém, da delicadeza do momento histórico, e da necessidade de indicação de uma solução prática. Nesse sentido, Eliza e seus companheiros são a proclamação solene de Stowe de que a escravidão é um problema do agora, e que são legítimos os atos protagonizados pelos próprios negros em busca da liberdade. Ademais, toda a narrativa, nas minúcias e matizes, deixa bem claro que Stowe não negocia com a manutenção da escravidão, muito menos pretende conservá-la; daí não ser exato dizer que todo o livro é uma apologia do conformismo e da manutenção do status quo. O problema, entretanto, é que dentre as narrativas da escravidão, A Cabana do Pai Tomás alcançou uma difusão tão grande que a posição do protagonista acabou confundida aos olhos do público com as tentativas de muitos de sufocar a insurgência do negro e sua busca por direitos. Assim, é natural que, na prática, a recepção do livro dependa desse esclarecimento acerca da figura de Tomás e da posição de Stowe, a fim de que a confusão se desfaça e a libertação que a obra proclama se torne evidente.

Para além de toda confusão, no entanto, é impossível dizer que Tomás, mesmo conformando-se à sua condição, defenda a escravidão ou procure prejudicar os seus semelhantes. A conversa de Tomás com St. Clare é prova disso: St. Clare anuncia a pretensão de alforriar Tomás; para a surpresa de St. Clare, contudo, que via em Tomás alguém muito pacífico, este levanta as mãos aos céus em agradecimento a Deus pela liberdade; St. Clare fica incomodado com aquilo e pergunta se Tomás não estava satisfeito com todos os confortos que seu senhor lhe proporcionava, confortos que a liberdade não conseguiria igualar; Tomás então responde sem titubear que, inobstante os confortos, nada supera a liberdade, valendo mais ser livre e dispor de pouco do que não o ser e dispor de tudo o mais. Outro exemplo é o martírio de Tomás sob o jugo do seu último senhor: prefere morrer sob tortura do que açoitar outros negros; mesmo obediente às autoridades, considera a ordem do açoite injusta e não cristã, e por isso se vê sob a necessidade de desobedecê-la; em conversa com Cassy mais tarde, revela que deseja permanecer naquela propriedade terrível porque sua presença é o único meio de trazer alguma esperança e amor aos seus companheiros de escravidão, já que seus corações foram reduzidos à brutalidade e apatia por força do despotismo do senhor. Tomás, como santo, entende que não é possível exigir de seus semelhante idêntica abnegação; individualmente, sustenta sua posição, mas nunca a ponto de prejudicá-los; enfim, não os julga. A mesma conversa com Cassy também traz um dos trechos mais importantes para a compreensão da personalidade de Tomás: diante da desesperança dos companheiros, o que mais teme é deixar-se reduzir a ela. Tomás, sem dispor da liberdade do corpo, teme sobretudo que a liberdade de gerir seus próprios sentimentos e convicções interiores seja conspurcada pelo ambiente degradante que habita.

O fato do livro ter sido escrito num momento de acalorados debates sobre a escravidão, e de a questão, em sua própria essência, ser daquelas que não podem passar sem algum debate ou tentativa de justificação no dia a dia dos que nela estão imersos, torna muito verossímil que os personagens estejam constantemente debatendo o assunto, inclusive com profundidade, proporcionando assim à escritora  que passe naturalmente da ficção para o campo da discussão filosófica sem parecer postiçamente ensaística.

A propósito, a imersão no problema é um aspecto muito bem retratado por Stowe. A autora é muito sensível ao perceber que mesmo a situação mais hedionda, quando se torna cotidiana, aparece como algo menor aos olhos dos que estão nela imersos. Admite-se que há um problema, mas já não se é capaz de agir com urgência para resolvê-lo. É mais provável que se demore na discussão de pormenores irrelevantes, empurrando a solução para amanhã. Os assim chamados “bons” senhores, que tratavam os seus escravos com maior dignidade, mas sem deixar de ser proprietários de outros seres humanos, exemplificam bem o fenômeno; é espantoso como demoram a agir, tomando a única atitude realmente significativa, que é a de assinar uma carta de alforria. Aqui, o paralelo com os nossos tempos é inevitável: as lutas dos pobres, das minorias e contra a desigualdade, por exemplo, apontam para problemas nos quais todos estão imersos, e com os quais tendem a lidar de forma indolente e procrastinadora, o que só faz perpetuá-los. É preciso fazer um esforço descomunal para sair da apatia e romper as amarras do cotidiano, ganhar distância e enfim enxergar a hediondez da situação. Cumpre tomar cuidado para não repetir o comportamento dos “bons” senhores de escravos, que hesitavam em fazer o bem. Aliás, o que a narrativa de Stowe demonstra é que hesitar para fazer o bem é o principal instrumento de perpetuação do mal. A pressão do entorno é tão grande, a dificuldade para se subtrair a ela, tão difícil, que a própria Stowe comete um ato falho ao final do seu livro: parece fazer concessão à ideia de que, uma vez libertos, os negros só poderiam encontrar a verdadeira felicidade voltando à África, o que é o mesmo que dizer fora dos EUA, que seria uma terra vocacionada aos brancos. Por certo que Stowe faz essa declaração de forma ambivalente, rendendo-se a ela e ao mesmo tempo contradizendo-a; toda a narrativa, aliás, é um libelo contra essa ideia; é inegável contudo, que não consegue se desvencilhar por completo do ambiente à sua volta. Se nem Stowe, depois de atravessar uma jornada de iluminação com a escrita d’A Cabana está infensa a passos falsos, quanto mais cuidado não deverão ter nesse campo pessoas menos cultivadas?

A edição da Carambaia aprofunda essa relação com o presente ao trazer considerável fortuna crítica da obra, com textos favoráveis e contrários veiculados na imprensa norte-americana (do Sul e do Norte), europeia e brasileira até meados do século XX. Nela, o que salta à vista é a já pressentida ousadia de Stowe de, sendo mulher, fazer tamanha intervenção pública. A condição feminina e a condição do negro ganham ali uma interseção, na qual a sociedade convencional reputa mulheres e negros como igualmente incapazes de pensar, agir e ocupar espaços de destaque no mundo. Outro aspecto que salta à vista é a persistente estratégia dos opositores das lutas liberacionistas de evitar falar do problema essencial mediante a eterna discussão de inconsistências formais ou periféricas no discurso dos seus opositores. Os críticos de Stowe saem à caça de pequenas incoerências, problemas de verossimilhança e o que chamam de excesso de sentimentalismo, sempre a fim de evitar falar do elefante na sala que é a própria existência da escravidão de outros seres humanos. Também hoje esse tipo de expediente é utilizado: quantas vezes não se busca pequenas incoerências e equívocos na fala dos defensores dos direitos das mulheres, da população LGBT ou de uma maior igualdade social como meio de evitar tratar do cerne das questões que defendem?  São frases do tipo “sou totalmente a favor dos direitos das mulheres, mas não apoio o feminismo, pois é muito agressivo”, ou “não tenho nada contra os gays, desde que não sejam vitimistas”, e por aí vai. Frases que dispõem de terreno fértil para se espalhar, na medida em que não é possível vencer esses problemas sem atitudes resolutas e determinadas, e que o comportamento humano, ainda mais em situações de embate, está naturalmente sujeito a deslizes.

É comum elogiar uma obra afirmando que ainda é muito atual. No caso d’A Cabana do Pai Tomás, este é um elogio que merece ser dado, mas com o coração na mão. Tanto nos EUA quanto no Brasil e alhures, o problema iniciado pela escravidão do negro se perpetua, e a sociedade contemporânea continua sendo incapaz de lhe dar um “basta”. A propriedade jurídica de um ser humano por outro não existe mais. Todavia, é como se o sentimento público continuasse acalentando a ideia de vários abolicionistas do Norte do EUA, que de fato consideravam a escravidão abominável, mas entretanto preferiam que os negros fossem mandados de volta à África, evitando assim ter de conviver com eles e - horror dos horrores - quem sabe até precisar tocá-los. De vários modos, os negros - e por que não dizer os pobres, as mulheres, os marginalizados de todo tipo -, continuam separados e interditados quando pretendem simplesmente caminhar pela esfera pública e enunciar sua opinião, participar da condução dos fatos e do curso da história, ser protagonistas, e não objeto de deliberação, enfim, simplesmente existir tal como são, sem necessidade de mudança ou adaptação. Tal como os “bons” senhores de escravos, que estavam imersos no problema, também hoje é preciso deliberar positivamente pelo esclarecimento e esforçar-se por ser diferente, distanciando-se até que seja possível enxergar a completa hediondez do problema. No Brasil, sobretudo, quanto à exclusão social, a tendência é a mesma dos senhores do Sul retratados n’A Cabana, que preferiam relegar a realidade incontestável da brutalidade da escravidão à categoria de boatos infundados, teorias da conspiração e exageros retóricos. Por isso, aqui, torna-se tão importante ler A Cabana do Pai Tomás. O próprio fato d’A Cabana ter ficado longe das livrarias por tanto tempo é um sinal perturbador; não se deve só à circunstância de que a luta antirracista evoluiu e hoje se articula sob signos diversos dos de Stowe; parece, isto sim, mais uma demonstração do incansável comportamento brasileiro de apagar o passado para evitar ver que o presente continua idêntico. Nesse cenário, mais do que nunca é importante imergir na jornada de esclarecimento empreendida por Stowe, para depois avançar na discussão que ela ousadamente, como verdadeira humanista, ajudou a fortalecer.

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Comentários

Unknown disse…
Excelentes reflexões, excelente escrita. Um dia ainda quero ler um livro seu, Lucas. E acho que vou. Parabéns!
Unknown disse…
Quanto ao livro A cabana do pai Tomas, vou ler, com certeza!
Obrigado pela leitura e elogios. Espero que sua profecia se concretize. Um grande abraço!
Depois volte para me contar o que achou.

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