Resumo de Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han

Foi através da escuta de audiolivro que travei contato com Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han. Por ouvir os audiolivros em movimento, não tenho condições de anotar minhas impressões a respeito. Assim sendo, e por ter gostado sobremaneira desse opúsculo filosófico, resolvi sentar-me e escutá-lo detidamente, anotando enquanto escutava um resumo telegráfico. O propósito principal dessa empreitada era obter subsídios a fim de escrever um texto mais consistente a respeito do livro para este blog; percebi, no entanto, que as anotações que o resumem poderiam servir a outras pessoas - principalmente àquelas que já o leram e pretendem apenas recordar seus lances principais -, e por isso as disponibilizo neste blog. Desde já peço desculpas por eventuais erros na grafia dos nomes próprios, todos decorrentes do fato de não dispôr do livro físico.

Violência neuronal

Cada época: enfermidades fundamentais. Época bacteriológica; fim - descoberta dos antibióticos. Não vivemos numa época viral. Técnica imunológica: essa época está para trás. Nosso tempo é neuronal. Doenças neuronais: depressão, burnout etc. Excesso de positividade. Escapam à técnica imunológica. Século passado: dentro e fora, amigo e inimigo. A Guerra Fria seguia essa dinâmica. Ação imunológica: ataque e defesa. Pela defesa, afasta-se tudo o que é estranho. Objeto da defesa: tudo o que é estranho enquanto tal. Nossos tempos, modelos explicativos imunológicos. Atualidade desse discurso não é sinal de que a organização da nossa sociedade é imunológica. Ser esse paradigma objeto de reflexão é sinal do seu declínio. Caracterizamo-nos pelo desaparecimento da alteridade e da estranheza. A diferença de hoje não provoca reação imunológica; não desperta reação. A estranheza se neutraliza numa fórmula de consumo: exótico. Categoria atual: imunização. O imigrante não é imunologicamente um outro que causa medo, mas sim é visto como um peso, mais do que uma ameaça. O paradigma imunológico não se coaduna com o processo de globalização. Promiscuidade geral que toma conta de todos os âmbitos da vida. A dialética da negatividade é o traço fundamental da imunidade. O próprio sucumbe quando não consegue negar o outro. O próprio afirma-se no outro, negando a negatividade do outro. A vacinação segue essa dialética. Autoviolência para se proteger de uma violência que seria ainda maior. Século XXI: adoecimentos neuronais, dialética da positividade.  Violência positiva do igual. Quem vive do igual, também perece do igual. Obesidade de todos os sistemas. Não existe imunorreação à gordura. O igual não leva à formação de anticorpos; nesse sistema, não faz sentido construir mecanismos de defesa. A rejeição nesse sistema é um reação neuronal digestiva. Violência neuronal que não é viral. Células cancerígenas e sua proliferação. Inimigo - primeiro estágio - lobo - fortificações. Depois - rato - subterrâneo - higiene. Besouro - vírus - coração do sistema. Terrorismo: símbolo da violência viral. Inimizade: sistema imunológico. Violência da positividade não pressupõe inimizade: sociedade pacificada. Violência neuronal é um terror da imanência. Diferente do horror do estranho imunológico. Medusa: outro imunológico extremo. Violência da positividade é saturante e exaustiva. Violência neuronal é violência sistêmica, imanente ao sistema. Depressão e TDAH: excesso de positividade. Queima do eu por superaquecimento e excesso de igual.

Além da sociedade disciplinar

Foucault: hospitais, presídios, quartéis e fábricas. Academias de fitness, prédios de escritório, laboratórios, aeroportos, shopping centers. Sujeitos da obediência X sujeitos de desempenho. Empresários de si mesmos. Muros não são mais necessários. Sociedade de controle: conceito ultrapassado, excesso de negatividade. Sociedade disciplinar marcada pela negatividade, pelo não ter o direito, pelo dever impelido pela coerção. Sociedade de desempenho: poder ilimitado é o seu mote. Yes, we can. Lei, mandamento X projeto iniciativa. Sociedade do desempenho: depressivos e fracassados em vez de delinquentes. A partir de determinado ponto, a técnica disciplinar não aumenta a produtividade; daí o paradigma do desempenho. A negatividade da proibição em certo ponto bloqueia. Positividade do poder é mais eficaz. Sujeito do desempenho é mais rápido e produtivo. O poder não cancela o dever. O sujeito de desempenho tem atrás de si o estágio disciplinar. Não há ruptura entre sistemas, mas continuidade. Depressão começa quando o modelo disciplinar rui e começa o modelo da iniciativa pessoal. O depressivo está esgotado pelo esforço de ser ele mesmo. Imperativo de obedecer a nós mesmos. Carência de vínculos decorrente da atomização do social. O que causa a depressão do esgotamento é a pressão do desempenho. Burnout: alma consumida. Depressão está onde há responsabilidade própria. Imperativo de desempenho: novo mandado. Homem soberano de Nietzsche? Em massa? Não; o novo tipo humano não é soberano; ele é, isto sim, o explorador de si mesmo, agressor e vítima ao mesmo tempo; si mesmo em sentido enfático; depressão irrompe quando o sujeito de desempenho não mais pode; cansaço de poder; só se pode lamuriar por isso numa sociedade para a qual tudo é possível. Depressivo: inválido da guerra internalizada. Sujeito de desempenho: livre da instância externa de domínio. Sujeito de obediência. Liberdade e coação agora coincidem. Excesso de trabalho e desempenho: agudização na autoexploração, eficiente porque caminha com o sentimento de liberdade. Liberdade paradoxal que vira violência. 

O tédio profundo

Excesso de positividade: excesso de estímulos. A tensão fica diferente. Destrói a atenção. Multitarefa não é capacidade boa; é retrocesso ao nível dos animais selvagens, que comem ao mesmo tempo que cuidam para não ser comidos. O animal não pode contemplar o que tem diante de si. Atenção ampla e rasa é semelhante a desses animais. Preocupar-se em bem viver cede lugar à preocupação por sobreviver. A cultura pressupõe uma atenção profunda. Hiperatenção se caracteriza por uma rápida mudança de foco, com pequena tolerância para o tédio profundo, importante para a criatividade. Esse tédio choca o ovo da experiência; é o sono do descanso espiritual. Inquietação acelera o que já existe. Nossa sociedade não tem o dom de escutar espreitando. Quem se entendia e não tolera ficará andando a esmo, sem parar; mas quem o tolera perceberá que é o andar que o entendia, e assim procurará novos movimentos, como a dança. Só o homem pode dançar, depois da crise do tédio de andar. A dança é um luxo que foge do princípio do desempenho. Só o demorar-se contemplativo tem excesso ao longo fôlego ou ao lento. Sem o recolhimento contemplativo o olhar nada traz de novo. 

Vida ativa

Em lugar da fé que realiza milagres, entra a ação heróica, segundo Arendt. Nossa sociedade transformaria o homem num animal do trabalho. A vida ativa sempre decairia ao patamar do trabalho. Decadência em passividade. Autor discorda. Arendt: única decisão individual: renunciar à individualidade para funcionar melhor. Redução ao processo biológico, ao menos aos olhos de um observador do espaço. Autor. Individualidade que não é abandonada, mas sim exacerbada. Não é passivo. Não tem essa serenidade. Hiperativo e hiperneurótico. Perda moderna da fé, inclusive na realidade, torna a vida humana muito transitória. Mundo transitório. Nada promete duração. Falta do ser: nervosismos e inquietações. O eu pós-moderno está isolado. Religiões obsoletas. Desnarrativização do mundo reforça o sentimento de transitoriedade, desnuda a vida. Trabalho desnudo. Coação de conservar a vida desnuda incondicionalmente sadia. Homo sacer: um indivíduo excluído da sociedade por conta de um delito que pode ser morto sem penalização do algoz. Agamben: vida totalmente passível de ser morta; ex. judeus em campos de concentração. Todos nós viramos homo sacer. A vida despida é sagrada e deve ser conservada a qualquer preço. Histeria do trabalho e da produção. Novas coerções: dialética do senhor e escravo internalizada. O senhor se transformou no escravo do trabalho. Exploramos a nós mesmos. Exploração possível sem senhorio. Arendt: triunfo do animal do trabalho: só poderíamos nos resignar a que a capacidade de agir está restrita a poucos; o pensamento é o que se safou; é, de certo modo, o cume da atividade. Importância da vida contemplativa para não recairmos na histeria.

Pedagogia do ver

Crepúsculo dos Ídolos: ler, pensar, falar e escrever para a cultura distinta; nisso precisamos de educador. Olho capaz de olhar demorado e lento. Pré-escolarização para o caráter do espírito. Não podemos reagir imediatamente a um estímulo. Falta de cultura: não resistência ao estímulo. Revitalização da vida contemplativa: não é abrir-se passivo; é resistência aos estímulos intrusivos. Atividade pura prolonga o que já existe. Virada real para o outro pressupõe a negatividade da interrupção. Hesitar é indispensável para que a ação não recaia no nível do trabalho. Vivemos num mundo sem interrupções. Os ativos rolam como rola a pedra, segundo a estupidez da mecânica. A máquina não pode fazer pausas. O computador é burro porque lhe falta a capacidade para hesitar. A ira tem uma temporalidade específica, diferente da da hiperatividade. A ira coloca em questão o presente; pausa interruptora no presente. A ira interrompe um estado e dá oportunidade a outro. Cede lugar à irritação que não produz nada decisivo. A ira nega o todo. Daí sua energia de negatividade. Estado de exceção. A crescente positivação do mundo o torna carente de estados de exceção. Angústia e luto: sociedade atual alija. Ausência de negatividade: cálculo. Computador: máquina positiva livre de negatividade. Máquina de desempenho autista. Hegel: a negatividade mantém viva a existência; potências positiva e negativa. Potência de dizer não, que é diferente da impotência. A potência positiva somente ficaria refém de todos os estímulos e impossibilitaria ação do espírito. A potência do não fazer impede a hiperatividade total. Excesso de positividade só admite o continuar pensando. Meditação zen: negatividade pura do não para. Só a potência positiva: exposição total ao objeto. Forma passiva de fazer que não admite ação livre. 

O caso Bartleby

Conto Bartleby de Melville. Leitura patológica. Habitantes degradados a animais do trabalho. Escritório rodeados de arranha-céus e muro de tijolos. Falta vida ao ambiente de trabalho. Melancolia e mau-humor: atmosfera. Bartleby se cala e fica petrificado; neurastenia. I would prefer not to: expressa a falta de iniciativa e a apatia. Não é a potência da negatividade. Cenário da sociedade disciplinar. Muros por todo lado. Bartleby trabalha cercado. Muro associado à morte. Sujeito de obediência. Não tem depressão da sociedade do desempenho. Não conhece autoacusações. Não fracassa no projeto de ser ele mesmo. Copiar monótono não deixa espaço para iniciativa própria. Copiar não admite qualquer iniciativa. Não conhece o exagero de trabalho do eu. Autor discorda da interpetação metafísica de Agamben. Não é figura metafísica de pura potência. Bartleby não anuncia nada: sequer quer ir ao correio. Bartleby, ao final, trabalha numa agência de cartas mortas. Bartleby não anuncia uma descriação. Artista da Fome, de Kafka: só a negatividade da negação lhe dá o sentimento de liberdade. A fórmula de Bartleby se afasta de qualquer perspectiva messiânica. É uma história de esgotamento. 

Sociedade do cansaço

O cansaço tem um coração amplo. Sociedade do doping. Doping cerebral - neuro enhancement. Doping: desempenho sem desempenho. Usar ou não usar? Dilema. Talvez bastasse colocar o produto à disposição de todos por uma questão de justiça. O doping é uma consequência da redução da vitalidade a um desempenho vital. Sociedade do desempenho: cansaço. Mundo pobre em negatividade. Reações causadas por excesso de positividade. Cansaço solitário que individualiza e isola. Cansaço dividido em dois. Só o eu possui a totalidade do campo de visão. Cansaços que destróem até a ligação da linguagem. Cansaço calado, cego, dividido. Cansaço vidente, reconciliador. Cansaço como mais do menos eu: vejo o outro, sou o outro, e o outro torna-se igualmente eu: entre: espaço sem predomínio. Desloca-se o cansaço do ser do eu para o mundo. O cansaço solitário não desloca. O cansaço solitário não tem dualidade. A gente toca e é tocado; tornamo-nos acessíveis. Demorar-se. Menos eu, mais o mundo. O cansaço fundamental não é estado de esgotamento; é capacidade especial; inspira; faz surgir o espírito. Ode ao não fazer. A inspiração do cansaço diz o que deve ser deixado de lado. Habilitação a um não fazer sereno. Desperta visibilidade específica. Handke. Toda e qualquer forma é lenta, é rodeio, faz desaparecer a economia da eficiência e do célere. O Odisseu cansado ganha o amor. No repouso do cansaço, tudo se torna admirável. Cansaço que cria uma amizade profunda e torna profunda uma comunidade sem necessidade de comunhão de sangue. Natureza morta holandesa. Cansado de ti X cansado para ti. Cansaço comum. Comunhão pelo cansaço. Cansaço de esgotamento incapacita de fazer qualquer coisa. Tem que ser cansaço da potência negativa. Sabbath. Sagrado é o dia do não para, do uso do inútil: sétimo dia da Criação; tempo lúdico. Handke: tempo intermediário de paz; tempo que desarma; traz serenidade. Indiferença como amizade. Cansaço diminui gestos hostis. Handke: religião imanente do cansaço. Mútuo acordo: vizinhança sem vínculos. Cansaço dá o compasso ao indivíduo disperso.

Anexos - Sociedade do esgotamento

Aparato repressivo freudiano: sociedade disciplinar - semelhança. Psicanálise freudiana eficaz numa sociedade repressiva. Sociedade atual é diferente, de desempenho. Verbo modal: poder hábil em vez do dever freudiano. Sujeito do desempenho pós-moderno: não tem medo ou angústia frente a transgressão; sujeito da afirmação. Inconsciente freudiano hoje. Antes, produto da sociedade disciplinar repressiva. Deus kantiano é também instância de gratificação. Supressão do prazer em favor da virtude com bem-aventurança ao final. Esperança de alcançar prazer no trabalho. Não ouve o chamado de um outro. Ouve a si mesmo. A liberdade do outro traz novas coações: crise de gratificação. Gratificação como reconhecimento pressupõe o outro. Evita-se o sentimento de alcançar uma meta a fim de evitar a objetificação da existência? Não, alcançar uma meta nunca se percebe. A coação do desempenho força a produzir cada vez mais, sempre sem gratificação. Concorrência consigo mesmo até sucumbir. Burnout. Sujeito de desempenho se realiza na morte. A pessoa depressiva não tem forma. Sinal de divisão interior ter mais do que um inimigo verdadeiro (Schmidt). O mesmo para os amigos. Facebook. Homem sem caráter, flexível, que acolhe toda e qualquer forma, toda e qualquer função. Eficiência econômica elevada. No depressivo não se dá transferência psicanalítica. Sujeito de desempenho desgastado consigo mesmo. Incapaz de confiar no outro, no mundo. Roda de hamster que gira cada vez mais rápida: desgaste. Mundo digital pobre em alteridade e em sua resistência. Princípio de realidade: o outro e sua resistência. Luto é diferente da depressão porque se liga libidinosamente ao objeto. Depressão não tem objeto. Melancolia também é diferente: relação negativa para com o ausente. Depressão não tem relações. Ego pós-moderno: energia empregada para si mesmo. Fraco elo de ligação. Depressão: popularização da melancolia, que era própria do homem extraordinário. Melancolia mais igualdade. Depressivo: pessoa esgotada da sua soberania. Melancólico antigo é diferente. Sujeito de desempenho depressivo: último homem como super-homem soberano. Super-homem X hiperativo. Melancolia é fenômeno da negatividade; depressão, da positividade. Depressão não tem força de conclusão; como a democracia. Burnout em geral precede a depressão. Sociedade do desempenho depende de pessoas flexíveis para aumentar a produção. O sujeito do desempenho não aceita sentimentos negativos, o que leva ao conflito. Não é capaz de elaborar o conflito porque é demorado; por isso se vale de antidepressivos para restabelecer o sujeito funcional. Hoje a luta é entre indivíduos, mas isso não influencia muito. O sujeito de desempenho concorre consigo mesmo sob coação destrutiva de se superar a si próprio. A autocoação é fatal. Burnout é resultado da concorrência absoluta. Supergo vira eu ideal. Superego é repressivo. O eu ideal é sedutor: projeção do sujeito de desempenho. Submissão e projeção são coisas muito distintas. Eu ideal exerce pressão positiva sobre o eu. O projetar-se é visto como ato de liberdade. O sujeito de desempenho não está mais submisso a ninguém, e nesse sentido não é mais sujeito. Sujeito vira projeto. A coação estranha é substituída pela autocoação-liberdade. Relações de produção capitalista. Autoexploração mais eficiente que a exploração estranha. Sociedade de autoexploração até consumo completo. Autoagressividade que pode desembocar no suicídio. O eu trava uma guerra consigo mesmo: a vitória acaba com a morte do vencedor. Homo sacer é originalmente alguém excluído, passível da morte por parte do soberano. O soberano não precisa ter direito para ter direito de matar. Estado de exceção. Homo sacer: sua vida está desnuda porque está fora da esfera do direito. A vida humana se politiza pelo abandono (Agamben). Só a vida exposta à morte é o elemento político originário. A soberania e a vida desnuda do homo sacer são os elementos extremos de uma ordem. Estrutura de coação que unifica liberdade e coação para maximizar o desempenho. Sujeito de desempenho é homo sacer de si mesmo. Todos nós estamos sob a possibilidade absoluta de sermos mortos; somos homo sacer. A economia capitalista absolutiza a sobrevivência. Mais capital, mais vida, mais capacidade para viver. Histeria pela sobrevivência. Vida despida de narratividade. Vida desnuda como cédula de dinheiro: exaltação da saúde: só sobrou o corpo do eu. Desaparecimento de teleologia. Saúde autorreferenciável, expediente sem meta. Imanência da mera vida, a ser prolongada a qualquer custo. A mera vida se tornou sagrada.

Tempo de celebração: a festa numa época sem celebração

O que é uma festa? Celebrar uma festa. Celebração: temporalidade específica. Objetivo para o qual nos encaminhamos. Não precisamos nela nos encaminhar a nada. Adentramos na festa como num estado em que nos demoramos. Na celebração não há transcurso. Gadamen aproxima arte e festa pela temporalidade comum. Devemos nos demorar junto à arte. Aproximação da eternidade. Tempo da festa não passa. Tudo é como no primeiro dia. Tornamo-nos divinos. Participamos do ato da criação. Estamos junto com os deuses e nos tornamos divinos. Os seres humanos jogam e brincam para os deuses. Não temos mais relação com o divino. Sacrifícios e oferendas: refeições comuns com os deuses. Quando trabalhamos e produzimos não estamos junto dos deuses. Os deuses não trabalham, não produzem. Perdemos o tempo de celebração ao absolutizarmos trabalho, desempenho e produção. A mera desaceleração não conduz à celebração. Precisamos de uma nova narrativa. Festa tem origem religiosa. A festa começa quando cessa o tempo cotidiano profano. Sem a festa, só resta o tempo cotidiano. Tempo do trabalho totalitário. A pausa hoje só serve para nos recuperamos do trabalho. O tempo de celebração é pleno, e não como o do trabalho, vazio entre o tédio e a ocupação, a ser preenchido. Não basta o desaceleracionismo. A vida perde intensidade. A vida sadia não é sobrevivência apenas. Festas são hoje eventos. Evento significa vir a acontecer de repente. Sua temporalidade é a da eventualidade, da sociedade que perde contato com o que é vinculativo. Funcionamos melhor rumo à morte. Não há mais relógio de ponto e sua delimitação: há trabalho em qualquer lugar e qualquer hora. Pós-marxismo: trabalho como liberdade. Realizo-me na direção da morte. Assim não é possível levante ou revolução. Liberdade como coação a si mesmo. O dever tem um limite, a habilidade, não. Ser livre deve ser livre de coações. Depressão etc.: profunda crise da liberdade. Vida como sobreviver: histeria da saúde. Sem a negatividade da morte, a vida enrijece em morte. Belo: dar ordem à decadência da vida. Quem odeia o destrutivo odeia a vida. Destruição do belo. Vida sadia: morto-vivo. Zumbis do desempenho. Quem trabalha não é livre. Três formas de vida livre: gozo das coisas belas; produção de belos atos na pólis; investigação daquilo que não passa (Aristóteles). Arendt: vida livre no belo. Salvação do belo é o resgate do político. Política como decretos de urgência, sem alternativas. Agir no sentido enfático é o que perfaz a vida do político, sem utilidade ou necessidade. O político deve produzir belas formas de vida para além do que se faz útil e necessário à vida: dar a nascer o que é totalmente novo. Não há outra alternativa: fim da política. Beleza e justiça se sustentam na mesma ideia. Agamben: profanação é dar às coisas um uso diferente do original.  Crise financeira da Grécia: crianças brincando com notas de dinheiro: usaram-no rasgando-o todo, brincando. Nas ruínas do mundo, brincamos com cédulas de dinheiro e as rasgamos. Terrorismo do capital. Precisamos profanar o trabalho e a produção e transformá-los em tempo de jogo e de festa. Arte originária: arte da festa. Antes, só havia obras de arte no culto. Valor cultual. Hoje perderam esse valor: valor expositivo e de mercado. Não é rua festiva, mas o museu e o cofre os lugares da arte, lugares do tempo zero, do não-tempo. Consumo e comunicação. Eros virou pornografia. Degradação ao tempo zero. Produzimo-nos para a produção, sem rituais e festas, onde se gasta. Pessoa reduzida ao valor de cliente ou de mercado. Hipercapitalismo que dissolve a existência humana em relações comerciais. Dignidade humana arrancada e substituída pelo valor de mercado. Grande e única loja comercial. Somos todos vendedores agora. Mundo cheio de objetos e mercadorias de vida útil encurtada. Só nos falta o essencial, mas temos tudo. Não temos o mundo, que é desprovido de qualquer som. As coisas superpovoam céu e terra. Universo que perdeu relação com o divino, o supremo, o elevado, o mistério. Vivemos numa loja transparente de grande controle. A casa mercantil precisa virar casa de festas.

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